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2024 começou com uma série de denúncias de falta de vagas no ensino fundamental e nas creches no sistema de educação em Teresina. O Ministério Público chegou a investigar a falta de vagas nos centros de educação infantil. Houve várias denúncias de pais que não conseguiram matricular seus filhos, especialmente crianças portadoras de necessidades especiais.

Educadores avaliam que, para cumprir os requisitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a cidade teria que aumentar em 50% a oferta de vagas nas creches. Não estamos falando de frações infinitesimais nem da margem de erro de estatísticas sociológicas. Trata-se de criar metade das vagas atuais apenas para atender a uma demanda que o município, embora tenha a obrigação legal, não consegue suprir.

Em outros tempos, isso já seria suficientemente grave. Mas estamos vivendo um momento paradigmático, de ingresso em uma nova era. E não será um mundo de flores e bonança o que desponta no horizonte. Será de desafios e dificuldades para as pessoas que não tiverem uma educação compatível com o novo momento da humanidade. Por isto, atender a essa demanda passou a ser uma obrigação inadiável.

Não é preciso ser um expert em prognósticos para antever o que vem por aí, pois as inteligências artificiais já se tornaram realidade, para o bem de alguns e o mal de muitos outros. Estarão bem posicionados todos aqueles que saírem das escolas preparados para instruir os prompts de comando das IAs – ou falar a linguagem dos computadores, quase humanizada, mas ainda assim dependente de um grau de precisão linguística que não encontra espaço no processo pedagógico atual.

As perspectivas mais otimistas dão conta de que em cinco anos as máquinas inteligentes automatizarão ao menos 60% das funções hoje desempenhadas por humanos, com a supressão de ao menos 30% dos empregos. Sobrarão ativas no mercado apenas pessoas aptas a conversar com os computadores. Isso implica, para uma perfeita interação, ao menos o domínio das ferramentas da língua culta, mais habilitação e fluência na língua inglesa, que está se tornando também a língua oficial das máquinas e dos empregos remotos.

Os profissionais que terão espaço no competitivo e restrito mercado de trabalho serão aqueles que se ocuparão de funções criativas, ainda que em muitas delas humanos venham a ser substituídos por gadgets eletrônicos. Os que não tiverem riqueza vocabular, formação intelectual abrangente e conhecimentos específicos em liames informáticos estarão fatalmente condenados a uma existência muito difícil, privada de empregos formais e mesmo de trabalhos eventuais. Ou servirão para tarefas menos nobres, como recolher o lixo e faxinar casas da parcela de ricos incluídos. Ainda assim, terão que concorrer com aspiradores inteligentes e separadores de resíduos automáticos.

O perfil do aluno que terá lugar nessa sociedade distópica é muito diferente do daquele que estuda numa escola de taipa e tem um professor que, de tecnologia, só entende do WhatsApp e do Instagram, quando muito. Ele sairá de bancos escolares colocados em salas de aula multimídia, terá computador pessoal para carregar o acervo pedagógico e estará apto a se comunicar fluentemente nas línguas dominantes antes do fim da puberdade.

As nossas escolas estão preparadas para isso? A resposta é não! E um ‘não’ sonoro, perturbador. Especialmente as públicas, que abrigam a grande maioria dos estudantes piauienses. Conforme o Censo Educacional do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 86,1% dos alunos dos anos iniciais (1º ao 5º ano) no Piauí estão matriculados na rede pública. Para os anos finais (6º ao 9º ano), a proporção é um pouco menor, mas ainda majoritária, com 84,7% dos alunos em escolas públicas. Ou seja: de cada cem estudantes, apenas 15 não dependem da temerária gestão governamental para completar sua formação básica. E atenção, pois estamos falando apenas do ciclo básico.

Esses quinze, quando muito bem servidos por escolas de elite, têm notebooks pessoais, aprendem em salas com telas eletrônicas, fazem atividades extraclasse em grupos virtuais e alcançam todo o conhecimento graças às conexões rápidas de internet. Vivem em um universo interconectado. É muito diferente daqueles que só têm, quando têm, a tela vagabunda de um celular barato e uma conexão pós-paga lenta e restritiva.

Mas o que nós estamos discutindo neste artigo é muito distante ainda dessa demanda tecnológica. Estamos falando apenas em vagas em creches que a Prefeitura não provém, em prédios que não foram construídos e que, quando foram, abrigam apenas carteiras inertes de madeira e quadros-negros rabiscados com giz. O que estamos reivindicando nem é, na verdade, adequação pedagógica para a realidade que se afigura para essas crianças que iniciam seu aprendizado: é apenas que o Estado, representado pelo município, crie vagas para abrigar crianças cujos pais precisam trabalhar. É disso que estamos tratando agora.

Diante do fosso que existe entre a perspectiva que se abre e a realidade que se impõe, é urgente parar de discutir as falhas de hoje para começar a pensar nas de amanhã. O dia de hoje já recomenda, obriga mesmo, a repensar o planejamento educacional. É preciso entender que, quando o próximo governo municipal terminar, o mundo será outro. E o buraco que separa crianças conectadas das desconectadas, que separa o livro didático dos tablets, o quadro de giz das telas holográficas será enorme, incomensurável. Mas repito: é imperativo começar a pensar no mundo como será, não apenas no mundo como ele se apresenta hoje. Pois as crianças que não conseguirmos atender hoje serão os párias de amanhã se nada for feito.

Uma parcela da população está muito preocupada com a adequação da educação em Teresina ao futuro tecnológico do planeta. Eu mesmo estou formulando meu projeto Teresina, Capital Verde, a partir de um conjunto de medidas para enquadrá-la como cidade ecologicamente sustentável. Falamos todos os dias em hidrogênio líquido, em energia limpa, em créditos de carbono, em mitigação do atraso estrutural. Mas precisamos considerar também o silêncio que se faz em relação às necessidades futuras, que gritam nos nossos ouvidos, mas não são ouvidas. E preparar nossas crianças para serem os cidadãos do futuro é a mais urgente de todas as urgências.

É preciso colocar o homem do futuro no centro do planejamento. Não adianta pensar que prover as vagas que não temos é tudo o que deve ser feito. Precisamos treinar professores para que formem outros professores tecnologicamente enquadrados, pois estes irão povoar escolas em que estudantes serão preparados para enfrentar os desafios de seu tempo, não do nosso.

Vejo o processo político como catalisador dessa nova realidade. Se alguém disser que é impossível fazer com que a educação em Teresina sirva como ponto de inserção dos jovens no futuro, que estamos condenados ao atraso e à desigualdade deletéria, responderei que basta a vontade para transformar tudo. Lembrarei que o Japão era um reino feudal há cem anos, que saiu da Segunda Guerra arrasado. Vinte anos depois, já fazia a engenharia reversa dos produtos ocidentais. E 50 anos mais tarde, estava muito adiante. Lembrarei do exemplo da China, que seguiu os passos do Japão. E que a despeito de uma economia estatizada por um arcaico regime socialista, ultrapassou potências como os Estados Unidos e Inglaterra na fabricação de chips de silício e carros elétricos. E indagarei: por que nós não podemos?

Podemos, sim, melhorar a educação em Teresina, mas para isso vai ser necessário tomar decisões importantes. A primeira delas é colocar no Poder homens que entendem a necessidade desses câmbios, dessas mudanças que estão talvez muito distantes ainda do nosso determinismo e do nosso padrão cultural. Mas se não fizermos, se não mudarmos as coisas, se não pararmos para planejar o futuro pensando no futuro, jamais sairemos da nossa reles condição de quintal do planeta.

Se você considera importante esta reflexão, clique neste link, conheça meu site e venha me ajudar a reconstruir o sistema de educação em Teresina.

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